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Esquizofrenia: aspectos psicológicos, sociais, biológicos e tratamento


A esquizofrenia, até então conhecida pela manifestação de fenômenos psicopatológicos em relação ao pensamento, percepção, emoção, movimento e comportamento, representa um dos transtornos psiquiátricos mais graves e desafiadores à comunidade médica e científica.


por: Lais Regina dos Santos



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Há muitos anos, tanto a Medicina como a Psicologia se esforçam na explicação e no entendimento da doença, com o intuito de esclarecer dúvidas e preconceitos presentes na sociedade. De acordo com estudiosos, a esquizofrenia se revela no olhar, na maneira do indivíduo encarar a realidade, como a visão de si próprio, do outro, do contexto social e dos fatos que o cercam. Tal olhar, no portador do transtorno, se encontra alterado, há distorção da percepção da realidade, esta se mostra diferente para o sujeito, tornando seu significado incompreensível aos olhos de outras pessoas. Assim como não é possível notar o que é observado pelo esquizofrênico, este também não possui uma percepção de mundo semelhante à das pessoas comuns no que diz respeito ao juízo de valores e ao pensamento crítico acerca do real.


O termo pejorativo “esquizofrênico” funciona como uma rotulagem, o que não permite o reconhecimento destes indivíduos como portadores de um problema, mas sim como pessoas problema.


Em relação aos estereótipos e causas, faz-se necessária uma reflexão em relação aos conceitos da doença mental e de assistência, com foco não apenas no fator biológico, mas também nas condições psicossociais.


A convivência com a esquizofrenia requer uma atribuição de sentido pelo sujeito, pois o potencial e as características pessoais do portador não podem ser desconsiderados e resumidos somente à patologia, mas sim reconhecidos e experimentados pelo indivíduo, tornando a experiência com o transtorno menos penosa. Entretanto, esta descoberta de sentido é muitas vezes é difícil e dolorosa, principalmente devido às limitações e sofrimentos causados pelo prejuízo de alguns processos mentais, gerando os sintomas, os quais irão se refletir na vida sentimental, nas relações sociais, familiares e no aspecto financeiro, com a não concretização de sonhos, dificuldade do portador em se reconhecer como ser humano, baixa autoestima e sentimento de incompreensão por amigos e familiares.


Diante da natureza complexa e severa da doença, do forte sofrimento e dos prejuízos por ela causados, há necessidade da criação de novos conceitos de doença mental e assistência psiquiátrica, cuja ação sugere dar voz ao portador, acolhendo-o e fazendo-o se sentir valorizado quanto à expressão de suas dores e sentimentos, o que se refere à atribuição de novo sentido ao convívio com a esquizofrenia.


Aspectos Biológicos

Do ponto de vista genético, de acordo com Silva (2006), a esquizofrenia pode se desenvolver consistente e significativamente no paciente cujo parente mais próximo ou em primeiro grau possua o transtorno, ou seja, o risco torna-se maior.


Em relação à teoria neuroquímica, a mais aceita dentre as demais teorias presentes na gênese do transtorno é a hiperfunção dopaminérgica central, porém, outros canais de neurotransmissores centrais exercem influência no surgimento da doença, com a atuação de vários sistemas simultaneamente (Lieberman, Mailman & Duncam, 1998) .

Quanto à hipótese dopaminérgica, existem alguns tipos de drogas cujo efeito é a estimulação da neurotransmissão da dopamina (DA), como o exemplo do psicoestimulante anfetamina ao ser utilizado em doses exageradas e com certa frequência. Tal droga acarreta uma psicose tóxica, e sua atuação nos terminais dopaminérgicos facilitam a liberação de dopamina, ao mesmo tempo em que impede sua inativação na fenda sináptica ao inibir o mecanismo neuronal de recaptação presente na membrana pré-sináptica. Desta forma, sintomas esquizofreniformes devem surgir em consequência do excesso de atividade dopaminérgica causada pelo uso de anfetamina. Tais efeitos são eficazmente neutralizados com a introdução de neurolépticos bloqueadores dos receptores dopaminérgicos.(Graeff, 1989, 2004)


Conforme Hopkins & Lewis (2000), além dos aspectos abordados até então, a esquizofrenia também se relaciona com a hipótese de alterações na estrutura cerebral. Em meados da década de 1970, a técnica de tomografia computadorizada (TC) de crânio revelou atrofia cerebral com aumento dos ventrículos e expansão de sulcos corticais em pacientes esquizofrênicos nas formas crônicas e agudas. De acordo com pesquisas, foi detectado que a forma e volume cerebrais de esquizofrênicos são característicos, com predisposição a serem mais leves e menores do que em sujeitos normais. Nos indivíduos com o transtorno, encontramos alterações cerebrais mais localizadas, como nas porções mediais dos lobos temporais, principalmente no hipocampo e giro para-hipocampal, além de volumes reduzidos de áreas frontais, tálamo, gânglios de base e corpo caloso. Tais alterações estruturais nos lobos temporais mediais despertam grande interesse da comunidade científica quanto à explicação e entendimento da doença.


A partir de 1980, surge a ressonância magnética nuclear (RMN), cuja técnica de imageamento permite uma visão mais avançada da anatomia cerebral dos pacientes. Conforme dados coletados pela RMN, observa-se reduções volumétricas nos lobos temporais mediais, com localização majoritariamente no hemisfério esquerdo.

Demais áreas temporais afetadas, como o giro temporal superior, responsável pela produção da linguagem, também é objeto de estudo para a compreensão do fenômeno. Através da tecnologia da RMN, foi permitida a constatação de modificações estruturais nos lobos temporais, e estas se diferenciam de paciente para paciente (Silva,2006)


Aspectos Psicológicos

Existem diversidade de modelos que associam aspectos biológicos da doença aos seus aspectos psicossociais, ou seja, “vulnerabilidade versus estresse” a qual parte do princípio da predisposição biológica, seja genética e/ou proveniente de fatores ambientais precoces, tanto quanto da influência do grau de estresse psicossocial sofrido pelo indivíduo. Sendo assim, a forma, a intensidade e a evolução dos sintomas se relacionam com o equilíbrio entre fatores biológicos e a força do estresse ambiental. Este modelo nos mostra a importância de um estudo mais multifocado em relação à intervenção nestes pacientes, com vistas não apenas à anulação dos sintomas, mas também ao domínio de agentes causadores de estresse (Silva, 2006).

Em relação à vivência com os sintomas da esquizofrenia, esta proporciona significativos prejuízos na qualidade de vida, os quais podem se refletir na saúde física, mental, no grau de independência do indivíduo, nas suas relações sociais e em seu estado emocional. Segundo Oliveira, Facina e Júnior (2012), o tempo de diagnóstico da doença vai influir na percepção dos prejuízos pelos sujeitos portadores, ou seja, aqueles submetidos a menor tempo de diagnóstico, os perceberá mais intensamente, porém aqueles submetidos a maior tempo de diagnóstico, menos intensamente, o que indica melhor adaptação ao novo estágio, a doença portanto proporcionou um novo padrão de normalidade, uma maior estabilidade ao paciente.


Em relação a estas dificuldades decorrentes da esquizofrenia, valorizar as atividades que o indivíduo ainda consegue realizar é de grande importância, especialmente o autocuidado, onde o sujeito tem gerenciamento e controle sobre seu tratamento, sobre suas relações sociais e familiares, em seu ambiente e tem capacidade de cuidar de si mesmo nos diversos setores de sua vida.


De acordo com Oliveira, Facina e Júnior (2012), quanto aos sintomas da esquizofrenia, a falta de autocontrole da vida e das emoções, bem como proliferação de pensamentos desconexos são característicos. À isto se soma perda da noção do real e do não real, com percepções visuais, auditivas e sensitivas as quais somente o indivíduo experimenta. Diante deste fato, o tratamento medicamentoso e a atuação dos profissionais são importantes no sentido de explicar que os sintomas não são reais.


Aspectos Sociais

Para Souza e Coutinho (2006), enquanto aspecto social, ao falarmos da experiência no trabalho, a doença mental acaba por complicar sua realização, pois a pessoa se encontra com baixa autoestima, déficit ao lidar com situações frustantes, medo excessivo de errar, problemas no viver de forma independente e grande ansiedade. Entretanto, segundo estudos, os pacientes podem atribuir diferentes significados ao trabalho, sendo este para alguns como fonte de benefícios e para outros sinônimo de algo prejudicial, exigente e estressante, sem possibilidade do sujeito desenvolver recursos pessoais de enfrentamento. Porém, de forma geral, a inserção do paciente esquizofrênico no mercado de trabalho é possível e realizável, pois eles podem apresentar produtividade apesar das limitações.


Em relação ao estigma, o transtorno é tratado com ênfase em seus aspectos negativos, sendo as características e capacidades pessoais do paciente desconsideradas. As consequências disto se resumem em diminuição da autoestima, sensação de perda de dignidade, desesperança, prejuízos nas relações sociais, perda do sentimento de sujeito dotado de cidadania e direitos, surgimento de dificuldades de ressocialização, principalmente em uma sociedade excludente em relação a pessoas que fogem das normas sociais. Isto muito se deve à falta de conhecimento acerca da doença, com avivamento de ideias preconceituosas e surgimento de um temor daquilo considerado desconhecido (Araújo, Moreira e Cavalcante, 2008). Ao tomarmos consciência, veremos o quanto a fala destes indivíduos é carregada de significado, apesar da difícil compreensão; de acordo com Diatkine, Quartier-Frings e Andreoli (1993), “o que os portadores de esquizofrenia dizem, provavelmente é o que a nossa sociedade considerada ‘normal’ não tem coragem de dizer, do mesmo modo como suas atitudes e comportamentos concretizam aquilo que muitos pensam, mas temem em realizar”(p.312). O estigma, portanto, se torna um meio de defesa utilizado contra aquilo que não pode se explicar ou nomear, deixando à margem estes sujeitos. Desta forma, os portadores do transtorno carregam o estigma proveniente da sociedade, onde as concepções pejorativas são introjetadas e os levam a se verem de modo diferente, fazendo da convivência em sociedade algo de difícil alcance.


Para Koga e Furegato (2002), a esquizofrenia também se reflete na convivência familiar, ou seja, a família também compartilha do sofrimento. Esta instituição tanto pode facilitar quanto dificultar a situação do paciente; as facilidades estão presentes quando o ciclo familiar se torna um porto seguro, dotado de compreensão e apoio, e as dificuldades se mostram quando a família não dispõe de estrutura para cuidar do ente adoecido, falta aceitação por parte desta da condição do indivíduo, o que o prejudica e o coloca numa posição de desamparo. Uma adaptação requer do ambiente familiar mudanças em sua rotina, uma vez que o doente necessita de atenção.


Em ocasiões de crises geradas pela doença, as famílias sofrem grande impacto e suas estruturas podem não ser suficientes para suportar o momento, gerando sobrecarga emocional nos familiares.


O ser humano, em sua necessidade de se sentir parte de um grupo, compreendido, amado e aceito, também precisa se sentir semelhante aos outros em algum aspecto para adquirir uma identidade social.


Farmacoterapia com antipsicóticos

Em meados da década de 1950, o número de leitos com pacientes crônicos apresentou considerável redução, e devido a este êxito, a utilização farmacológica pode ser associada à intervenções sociais e tratamento psicológico, cujo benefício adicional promovia melhora significativa no paciente.


Após a utilização da clorpromazina, outras drogas foram descobertas com atuação farmacológica similar, porém com estrutura química diversa. É importante lembrar que os antipsicóticos atenuam os processos psicóticos agudos, porém não oferecem cura total ao paciente, entretanto, o uso e tratamento contínuo com neurolépticos diminui de forma significativa recaídas e reospitalizações.


Importância da psicoterapia

Apesar do surgimento dos neurolépticos ser responsável pela redução dos pacientes internados, no início da década de 50, muitos deles eram reinseridos na sociedade bastante despreparados quanto ao enfrentamento das demandas sociais e profissionais. Desta forma, a farmacoterapia teve de estar associada a uma abordagem terapêutica mais ampla, que promovesse maior reabilitação psicossocial deste paciente, um apoio psicoterapêutico com otimização dos modelos de enfrentamento e habilidades em lidar com situações de adaptação social e combate ao estresse, juntamente com o intervir nas relações familiares e socioprofissionais, cujo intuito é modificar aspectos ambientais, sempre considerando a capacidade do paciente. Tal abordagem é multidimensional, e deve ser administrada, questionada e operada de forma contínua, em situações diversas, de acordo com as características de cada indivíduo e suas necessidades pessoais.


Conforme Silva (2006), de forma gradual, começou haver crescente insatisfação com relação ao tratamento apenas farmacológico, pois se observou que uma parcela de indivíduos, apesar de tratados com antipsicóticos, continuavam a apresentar alguns sintomas, e percebeu-se a ineficiência destas medicações no combate aos déficits cognitivos e sociais associados à doença. Segundo estudos, de acordo com Brown et al. (1972), foi admitido que o paciente, ao retornar para seu ambiente familiar, pode ter recaídas psicóticas conforme passagem dos meses subsequentes; diante deste cenário, já na década de 1980, modelos de intervenção psicológica foram projetados com o objetivo de proporcionar habilidades sociais e evitar recaídas, com melhora do contexto familiar. Os resultados de tais implantações foram muito benéficos e, portanto, se reconheceu a importância das psicoterapias para indivíduos esquizofrênicos.


Paralelamente a estes fatos, a terapia cognitiva, até então utilizada no tratamento da depressão, foi introduzida no trato de sintomas psicóticos resistentes à medicação; este procedimento consiste na aplicação de técnicas cognitivas na evolução do paciente com esquizofrenia paranóide, como análise dos fatores anteriores aos sintomas, aplicação de teste da realidade e prática de exercícios em casa. Surgem então meios que irão proporcionar o surgimento da referência cognitivo-comportamental no trato de sintomas psicóticos. Sendo assim, houve um “distanciamento” do diagnóstico psiquiátrico e uma valorização das intervenções psicológicas, cujo foco se mostra em detalhar fenômenos da experiência e do comportamento relacionados à esquizofrenia, o que consiste em uma maior exatidão na análise de sintomas para se planejar futuras intervenções. (Silva, 2006)


De acordo com Barros et al. (2012), o tratamento do transtorno traz bons resultados, podendo o portador ter uma vida semelhante a qualquer indivíduo comum, com realização de estudo, trabalho, namoro, casamento e de uma convivência social. Porém, este tratamento sugere, além das medicações, comparecimento às sessões de psicoterapia, cumprimento das tarefas propostas e permanência dessas ações ao longo de sua vida, sendo que pacientes resistentes a isto são mais sensíveis aos malefícios da doença, podendo


Conclusão

Diante dos fatos refletidos até então, podemos concluir a importância de uma sociedade com visão pluralista, que respeite diferentes visões, constituindo rica experiência entre as pessoas, onde o papel dos profissionais da saúde é promover esta conscientização, principalmente quanto à inclusão social da doença mental. É necessário que os cidadãos tenham o entendimento de que o sofrimento psicológico é algo próprio do ser humano e evolui de formas diferentes. A pessoa com esquizofrenia é alguém dotado de necessidades de ajuda, cuidado, apoio e tratamento apropriado, sendo o processo de exclusão algo que vai na contramão desta ideia. Portanto deve haver aceitação, respeito, compreensão e reconhecimento de que a esquizofrenia é uma fonte de sofrimento para aquele que a possui, bem como da importância de um tratamento deste por profissional habilitado, tornando o mundo do acometido mais humano e acolhedor. A visão esquizofrênica veio para somar, e apesar de diferente, pode vir a enriquecer os velhos valores cultivados pelo mundo, infelizmente carregados de incompreensão, falta de relações afetivas e ações solidárias.


Bibliografia

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BROWN, G. W., BIRLEY, J., & WING, J. (1972). Influence of family life on the course of schizophrenia: A replication. British Journal of Psychiatry, 21, 241-258.


DIATKINE R, QUARTIER-FRINGS F, ANDREOLI A. Psicose e mudança. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1993.


GRAEFF, F. G. (1989). Antipsicóticos. In Drogas Psicóticas e seu modo de ação (pp. 21-39). São Paulo: E.P.U.


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KOGA M, FUREGATO A. R. Convivência com a pessoa esquizofrênica: sobrecarga familiar. Ciênc Cuid Saúde 2002; 1(1): 75-9.


LIEBERMAN, J. A., MAILMAN, R. B. , & DUNCAM, G. (1998). Serotoninergic basis of antipsychotic drug effects in schizophrenia. Biológical Psychiatry, 44, 1099-1117.


OLIVEIRA, R.M.; FACINA, P.C.B.R; JÚNIOR, A.C.S. A realidade do viver com esquizofrenia. IN: Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília 2012 mar-abr; 65 (2):309 - 316.


SILVA, R. C. B. Esquizofrenia: uma revisão. IN: Psicologia USP, vol. 17, n. 4, São Paulo, 2006.


SOUZA L. A, COUTINHO E. S. F. Fatores associados à qualidade de vida de pacientes com esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr 2006; 28(1): 50-8.

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