Estudo mostra ligação entre Covid-19 e desenvolvimento de problemas de saúde mental
Pessoas que tiveram Covid-19 podem ter maior risco de serem diagnosticadas com transtornos psiquiátricos como ansiedade ou depressão, de acordo com um novo estudo.
Pesquisadores observaram os registros médicos de 69 milhões de pessoas nos Estados Unidos entre 20 de janeiro e 1º de agosto. Os dados incluíam 62 mil pessoas que contraíram Covid-19, como parte do que os autores descreveram como o maior estudo até o momento sobre as conexões entre o novo coronavírus e problemas de saúde mental.
Nos três meses após testar positivo para Covid-19, quase um em cada cinco dos recuperados (18%) recebeu um diagnóstico psiquiátrico. Essa porcentagem é quase o dobro de outros grupos de pacientes com condições e doenças diferentes analisadas como parte do estudo no mesmo período.
Os cientistas da Universidade de Oxford compararam diagnósticos psiquiátricos em sobreviventes da Covid-19 com pacientes que tiveram gripes, outras infecções do trato respiratório, infecções dermatológicas, grandes fraturas ósseas e pedras nos rins e na vesícula biliar.
"O estudo relata que os pacientes têm uma chance um pouco maior de serem diagnosticados com uma doença psiquiátrica, principalmente ansiedade ou depressão, após um diagnóstico de Covid-19 do que após outros certos eventos médicos", disse David Curtis, um psiquiatra aposentado e professor honorário da Universidade de Londres e da Universidade Queen Mary de Londres, em nota.
"Por exemplo, eles mostram que há cerca de 18% de chance de ter um diagnóstico psiquiátrico depois da Covid-19, comparado com 13% após uma gripe", diz Curtis, que não estava envolvido na pesquisa, ao Centro de Imprensa da Ciência em Londres.
"É difícil julgar a importância dessas descobertas. Esses diagnósticos psiquiátricos são feitos de maneira bem comum quando as pessoas vão aos médicos, e pode não ser surpreendente que isso aconteça um pouco mais frequentemente em pessoas que tiveram Covid-19, que, compreensivelmente, podem ter se preocupado com ficarem seriamente doentes e que também tiveram que aguentar um período de isolamento".
O estudo, que foi publicado na revista Lancet Psychiatry nesta segunda (9), não se aprofunda nos motivos ou mecanismos que podem explicar a conexão entre contrair Covid-19 e receber um diagnóstico psiquiátrico.
Isso pode ser explicado por vários fatores, incluindo um efeito direto neurológico ou biológico do vírus, as medicações usadas para tratá-lo, a preocupação e ansiedade causadas por contrair a doença e temores mais amplos sobre a pandemia, disse o autor do estudo Paul Harrison, um professor de psiquiatria da Universidade de Oxford e do hospital Warneford.
Também é possível que os dados nos relatórios médicos coletados pela rede TriNetX Analytics não tenha capturado de maneira adequada os fatores comportamentais ou socioeconômicos que podem explicar essa ligação.
"Precisamos ser cautelosos na nossa interpretação e examinar essa questão importante", disse Harrison em um comunicado à imprensa.
Necessidade de dados de longo prazo
No período entre 14 e 90 dias depois de um diagnóstico de Covid-19, 5,8% dos recuperados no estudo tiveram seu primeiro diagnóstico registrado de doença psiquiátrica; comparado a 2,5% a 3,4% dos pacientes nos grupos de comparação. Então, adultos têm quase o dobro do risco de sere diagnosticados com um transtorno psiquiátrico após terem Covid-19, disse o estudo.
Ter experienciado um transtorno mental no último ano também está ligado a uma chance maior de contrair a Covid-19, também mostrou o estudo. O risco era independente de fatores físicos de risco para a doença, como obesidade, mas pode ser ligada a possíveis fatores socioeconômicos.
Os pesquisadores não incluíram sintomas de saúde mental que apareceram nas primeiras duas semanas, como delírios e outros comprometimentos transitórios de cognição. Outros estudos mostraram que delírios e agitação podem ser comuns em pacientes hospitalizados com Covid-19.
Especialistas médicos disseram que o estudo tem limitações. Em particular, que o período de acompanhamento era de apenas 90 dias.
"Será que o distúrbio persiste quando não há uma doença infecciosa que ameaça a vida se proliferando? Esse estudo não oferece dados de longo prazo —devemos ter isso em mente ao interpretar os resultados —, ele não pode prever desdobramentos psiquiátricos após um ano e não leva em conta sintomas físicos pós-Covid que podem ser angustiantes", disse Jo Daniels, conferencista sênior em psicologia clínica da Universidade de Bath, no Reino Unido, à SMC.
O estudo, disse Daniels, não assinala a proporção dos curados da Covid-19 que tinham sintomas da doença a longo prazo, que são associados a efeitos debilitantes e angustiantes.
Til Wikes, a vice-reitora de psicologia e ciências sistêmicas no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências da King's College de Londres, disse que é necessário desenvolver o maior número de formas diferentes e acessíveis de apoio à saúde mental possível.
"Sabemos de pandemias anteriores que dificuldades de saúde mental geralmente acompanham os sobreviventes, e esse estudo mostra o mesmo padrão após a Covid-19, então não é inesperado. Mas, apesar de não ser uma nova descoberta, os dados e o cuidado com a análise nos dá mais confiança nos resultados".
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